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01-Nem
a rosa, nem o cravo 02-O
primeiro beijo 03-Inveja
04-O Mendigo
05-Lágrimas
06-A carta
07-Mistério
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08-Pelas
ruas da vida 09-O
Lugar do sofrimento 10-O
Destruidor de pensamentos 11-A
Serpente e o Vagalume
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12-O
Carpinteiro 13-Par de sapatos
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O
Primeiro Beijo
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o
namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto:
ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com
isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma
mulher antes de me beijar? Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos
no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe
no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem
peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e
apenas sentir – era tão bom. A concentração no sentir era difícil no
meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais
alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida!
como deixava a garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez.
Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e
mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma
sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo
todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se
quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca
saliva que pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento
de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era
mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era
de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água,
pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela
procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando,
farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da
estrada, entre arbustos estava… o chafariz de onde brotava num
filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas
ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de
todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao
orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu,
escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta
encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia
abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o
e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher
que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole
sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher
de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não
é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador
da vida… Olhou a estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro
dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva.
Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia.
Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre
antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca
lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de
coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A
vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto.
Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta
nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um
orgulho antes jamais sentido: ele…
Ele se tornara homem.
(conto de: Clarice Lispector)
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