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01-Nem
a rosa, nem o cravo 02-O
primeiro beijo 03-Inveja
04-O Mendigo
05-Lágrimas
06-A carta
07-Mistério
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08-Pelas
ruas da vida 09-O
Lugar do sofrimento 10-O
Destruidor de pensamentos 11-A
Serpente e o Vagalume
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12-O
Carpinteiro 13-Par de sapatos
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Nem a Rosa, nem o Cravo…
As frases perdem seu sentido, as palavras perdem sua significação
costumeira, como dizer das árvores e das flores, dos teus olhos e do
mar, das canoas e do cais, das borboletas nas árvores, quando as
crianças são assassinadas friamente pelos nazistas? Como falar da
gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as bestas soltas no
mundo ainda destroem os campos e as cidades?
Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das coisas mais
belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães danados destruíram os
trigais e os povos morrem de fome. Como falar, então, da beleza,
dessa beleza simples e pura da farinha e do pão, da água da fonte,
do céu azul, do teu rosto na tarde? Não posso falar dessas coisas de
todos os dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas
estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a água,
o céu, o mar e teu rosto. Contra tudo que é a beleza cotidiana do
homem, o nazifascismo se levantou, monstro medieval de torpe visão,
de ávido apetite assassino. Outros que falem, se quiserem, das
árvores nas tardes agrestes, das rosas em coloridos variados, das
flores simples e dos versos mais belos e mais tristes. Outros que
falem as grandes palavras de amor para a bem-amada, outros que digam
dos crepúsculos e das noites de estrelas. Não tenho palavras, não
tenho frases, vejo as árvores, os pássaros e a tarde, vejo teus
olhos, vejo o crepúsculo bordando a cidade. Mas sobre todos esses
quadros bóiam cadáveres de crianças que os nazis mataram, ao canto
dos pássaros se mesclam os gritos dos velhos torturados nos campos
de concentração, nos crepúsculos se fundem madrugadas de reféns
fuzilados. E, quando a paisagem lembra o campo, o que eu vejo são os
trigais destruídos ao passo das bestas hitleristas, os trigais que
alimentavam antes as populações livres. Sobre toda a beleza paira a
sombra da escravidão. É como u’a nuvem inesperada num céu azul e
límpido. Como então encontrar palavras inocentes, doces palavras
cariciosas, versos suaves e tristes? Perdi o sentido destas
palavras, destas frases, elas me soam como uma traição neste
momento.
Mas sei todas as palavras de ódio, do ódio mais profundo e mais
mortal. Eles matam crianças e essa é a sua maneira de brincar o mais
inocente dos brinquedos. Eles desonram a beleza das mulheres nos
leitos imundos e essa é a sua maneira mais romântica de amar. Eles
torturam os homens nos campos de concentração e essa é a sua maneira
mais simples de construir o mundo. Eles invadiram as pátrias,
escravizaram os povos, e esse é o ideal que levam no coração de
lama. Como então ficar de olhos fechados para tudo isto e falar, com
as palavras de sempre, com as frases de ontem, sobre a paisagem e os
pássaros, a tarde e os teus olhos? É impossível porque os monstros
estão sobre o mundo soltos e vorazes, a boca escorrendo sangue, os
olhos amarelos, na ambição de escravizar. Os monstros pardos, os
monstros negros e os monstros verdes.
Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim, têm um
significado neste momento. Houve um dia em que eu falei do amor e
encontrei para ele os mais doces vocábulos, as frases mais
trabalhadas. Hoje só 0 ódio pode fazer com que o amor perdure sobre
o mundo. Só 0 ódio ao fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem
perdão, um ódio que venha do coração e que nos tome todo, que se
faça dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver
qualquer espetáculo – desde o crepúsculo aos olhos da amada – sem
que junto a ele vejamos o perigo que os cerca.
Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de
esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria
escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a
farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre
teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se
eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma
parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras
doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de
morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha
literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma
arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas
e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão
que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!
(conto de: Jorge Amado)
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