---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
01-Nem a rosa, nem o cravo   02-O primeiro beijo   03-Inveja   04-O Mendigo   05-Lágrimas   06-A carta   07-Mistério
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
08-Pelas ruas da vida   09-O Lugar do sofrimento   10-O Destruidor de pensamentos   11-A Serpente e o Vagalume
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
12-O Carpinteiro   13-Par de sapatos
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

 


 O Lugar do sofrimento


Dona Lulu já tinha seus 82 anos de idade. Vivia em uma espaçosa casa de madeira, pintada por fora de azul. Seus gestos já eram lentos porém carregava no rosto um sorriso acolhedor e contagiante. A casa sempre tinha o cheirinho de bolo no forno, tinha uma mão para doces sem igual. Os olhos cor de mel brilhavam! Por alguns segundos era impossível ver as marcas de inúmeros sofrimentos. Todos viam em Lulu uma plena realização. Era de fato uma mulher de grande sabedoria.
Aos 19 anos, era uma jovem belíssima que atraia os olhares de todos. Sua simpatia e alegria eram marcantes. Por ter perdido a mãe aos 13 anos, em um acidente de carro, amadureceu rapidamente e sua visão da vida era diferente dos outros jovens. Não era alguém triste, pelo contrário, Lulu contagiava seus colegas por sua ternura e seu coração sonhador. Sempre pronta a incentivar e ponderar os sonhos de seus amigos. Era um porto seguro e exemplo para eles. Quando necessitavam de um conselho era ela a mais procurada sem prévias de dúvida.
Porém, mesmo com a pele envelhecida, Lulu continuou tendo a capacidade de fazer novas amizades. Uma delas era o jovem Felix, de 23 anos, que estava concluindo seu curso de arquitetura. Havia conhecido dona Lulu por causa de um trabalho da faculdade. Estava pesquisando o que os idosos esperavam de uma Casa e o que achavam dos novos estilos. Félix ia mensalmente visitar a encantadora senhora, e Lulu já preparava o Bolo de Chocolate que o novo “neto” gostava.
Passavam horas conversando. Uma vez a pequena senhora recordou quando na manhã de 21 de Outubro de 1946, acordou com o telefone tocando. Era a noticia de que seu irmão Lucas estava mais uma vez internado por overdose.


Como se já não bastasse Lulu ter que trabalhar para ajudar nas finanças em casa, ir à noite para a Faculdade e cuidar dos afazeres de casa (era a única filha mulher), era ela quem sempre tinha de ir socorrer o irmão que não havia superado os traumas com a morte da mãe.
No entanto, nunca deixava de acreditar na recuperação do irmão. Era incrível ver a capacidade que ela tinha de Amar. Este dia era um domingo e ela esperava descansar e dormir até um pouco mais tarde, porém desligou o telefone e se arrumou rapidamente para ir até o hospital.
Porém, Félix não se conteve e antes que terminasse de contar o que havia ocorrido, questionou Lulu:


-Como depois de tantas história de dor, perdas e doenças a senhora conseguiu superar e ser em todas as etapas de sua vida uma pessoa realizada e feliz? Como se tornou doce quando as situações deveriam te fazer amarga ? Afinal qual é o segredo? Eu não consigo entender…
Lulu não pode impedir que os seus olhos lacrimejassem ao mesmo tempo em que seus lábios sorriam. Foi quando partilhou a lição mais importante do seu livro de ouro…
-Antes de minha mãe falecer Félix, ela me ensinou a chave para a vida. Mamãe tinha o costume de dizer que todo Sofrimento era Adubo para a Vida. Não ignorava nenhum fato doloroso, mas colocava em torno de sua pequena árvore da vida cada lágrima e dor. E tudo aquilo que parecia horrível era absorvido pelo tempo, tirava das várias situações o melhor que ela podia oferecer. E quando se dava conta, a sua árvore estava crescendo forte, as folhas eram de um verde vibrante e cheio de vida, e seus frutos eram os mais doces que haviam na região. Foi o que eu sempre fiz … Ajuntei os sofrimentos como adubo em torno da vida, e tirei deles o que havia de melhor!
Descobri então que a felicidade se esconde nos pequenos gestos. Quando fui ao hospital ver meu irmão, ele estava pior do que as outras vezes e por isso senti meu coração apertar, não queria perder ele. Segurei firme na sua mão, ele abriu os olhos e sorriu. Agradeceu-me por eu não ter desistido dele, e isto me bastou, pois Além do Sofrimento havia a Esperança da Vida.

 

(Magda Ishikawa)


 

 

Celi Poesias...Um cantinho Especial
www.celipoesias.net