Lágrimas
Ainda era muito cedo, o sol nem ao menos tinha raiado, os galos nem
haviam cantado, mas o telefone já tocara na casa daquela senhora. A
Tocou uma, duas, três vezes... Até que por entre as portas brancas
daquela
casa, uma mulher ainda vestida com sua camisola vermelha aparece
correndo,
e atende o chamado. Seu cabelo branco, despenteado, sua expressão de
quem
não havia dormido, não negavam que ela estava aflita.
Do outro lado da linha, uma voz diz:
- Não adianta fugir, eu já sei, sei de tudo.
E antes mesmo que a pobre mulher pudesse pronunciar uma palavra, o
telefone desligou. Ela caiu em prantos. Soluçava. Andava
inconformada.
Jogou um vaso no chão. Chorou mais. E mais, e mais.
Era quarta-feira, para ela, a pior da sua vida. A semana estava
sendo assim,
conturbada, desesperadora. O dia estava frio, mas o sol já começava
a mostrar
sua cor, e parecia que naquele dia ele fazia questão de brilhar,
mais e mais forte.
Com seu amarelo deslumbrante.
Aos poucos, a mulher ia lembrando cada dia que havia passado junto
aos seus
entes queridos, as festas, aniversários, que ela certamente nunca
mais poderia
festejar.
Ela abriu a janela, que estava coberta pela poeira, deixou o ar
gelado da
manhã bater em sua face, e outra lágrima correu. Ela não sabia mais
o que fazer.
Lembrou do seu trabalho, dos seus filhos, até mesmo deles ela abriu
mão.
Agora estava arrependida. Sem nem sequer poder voltar a trás.
Havia uma semana que ela não pronunciara uma palavra sequer. Mesmo
que as
pronunciasse, seria ao vento. Ela estava sozinha, do que adiantava
ter dinheiro,
muito dinheiro, e não poder mais viver? Ela pensava todo dia qual
era sua
razão de viver... E não encontrara nenhuma resposta. Pedia que
alguém a
iluminasse, e da mesma maneira, não obteve resposta alguma.
Porém, aquele dia guardava a ela algo diferente. Talvez a sua
salvação. Talvez
mais desespero. A vida estava dando a ela uma segunda chance, que só
ela
poderia saber se aceitaria ou não.
Uma pomba branca pousou em um vaso com flores vermelhas, que estava
sobre a janela. Talvez ela estivesse observando a tal mulher.
Ela estava ficando louca. Colocou um vestido amarelo, aberto nas
costas, e
saiu. Para onde ela iria? Nem ela mesma sabia. Havia colocado um
pacote
debaixo do braço, com alguma coisa dentro. Algo secreto.
Passou em frente a um prédio, de um escritório. Estava se
escondendo, mas
pela última vez precisava ver estes lugares.
Mais uma lágrima escorreu. Os papéis de bala no chão do carro. O
santinho
pendurado no retrovisor. Uma foto, com uma família. Ela tirou tudo,
e
arremessou contra o vento, não queria lembranças.
Seu celular tocou, e a mesma voz de manhã repetia:
- Não adianta fugir, eu já sei, sei de tudo.
E acrescentou mais algumas palavras, “Você quer saber? Quer saber
mesmo?
Você merece toda essa solidão, tal qual você procurou. Tudo na vida
tem seu
preço, e você está pagando pelo que fez. Dinheiro não é tudo na
vida. Aquele
homem. Seu marido... não merecia tanto desgosto”. Pronunciando isso,
desligou.
Mais lágrimas caíram de seus olhos. Ligou o rádio. O noticiário dava
as notas
do dia. Procuravam uma assassina fugitiva. Ela desligou. Mais
lágrimas.
Seus pés aceleraram o carro. Parou em frente a um barranco. Olhou
pra baixo,
não conseguia ver o fim. Pegou um papel, escreveu algumas poucas
palavras.
Colocou-o no envelope. Fez uma oração qualquer. Nada mais importava,
ela
estava decidida.
O vento bateu em seu vestido amarelo, fazendo-o subir. A última
lágrima
escorreu de seus olhos. Só restou no ar, o cheiro de seu perfume.
Ela se foi.
(Amanda Altafin de Oliveira)
|