(Ao
Amor Antigo)
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porem, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
Carlos Drummond de
Andrade
(A um Ausente)
Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires
foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência de viver e explorar os
rumos de obscuridade sem prazo sem consulta sem provocação até o
limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o
ato em si, o ato que não ousamos nem sabemos ousar porque depois
dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudades de ti, de nossa convivência em
falas camaradas, simples apertar de mãos, nem isso, voz modulando
sílabas conhecidas e banais que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da
natureza nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o
fizeste, porque te foste.
Carlos Drummond de
Andrade
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