Não há quem a emoção não dobre e vença,
Lendo o episódio da leoa brava,
Que, sedenta e famélica, bramava,
Vagando pelas ruas de Florença.
Foge a população espavorida,
E na cidade deplorável e erma
Topa a leoa só, quase sem vida
Uma infeliz mulher débil e enferma.
Em frente à fera, um estupor de assombro,
Não já por si tremia, ela, a mesquinha,
Porém, porque era mãe e o peso tinha,
Sempre caro pras mães, de um filho ao ombro.
Cegava-a o pranto, enrouquecia-a o choro,
Desvairava-a o pavor!... e entanto, o lindo,
O tenro infante, pequenino e louro,
Plácido estava nos seus braços rindo.
E olhar desfeito em pérolas celestes
Crava a mãe no animal, que pára e hesita,
Àquele olhar de súplica infinita,
Que é só próprio das mães em transes destes.
Mas a leoa, como se entendesse
O amor de mãe, incólume deixou-a...
É que esse amor até nas feras vê-se!
E é que era mãe talvez essa leoa!
(Raimundo Correia)
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