Meu nome é Ana Juliana, nasci em 22 de março 1933
na Argentina, e hoje vivo no Brasil em uma cidade do interior de São
Paulo chamada Piracicaba.Até meus 16 anos fui uma garota linda e
invejável, vivia sendo cortejada pelos mais belos rapazes da
época.Desde minha mocidade quando um tumor apareceu na minha cabeça
e minhas costas, me deixara com uma aparência assustadora com uma
cabeça enorme e com as costas corcunda.Meu pai morrera de enfarte
deixando eu e minha mãe com muitas dividas, e como meu tratamento
era muito caro, e o medico havia dito que eu não tinha nem mais três
meses de vida e que estava sendo tudo em vão gastando os últimos
tostões, acabamos o tratamento por ali.Minha mãe como era muito
cobiçada pelos burguês da época acabou namorando um bancário que
também era viúvo com filhos que logo se casara com ele.Porém como
meu estado e minha aparência causava medo e aflição para seus filhos
minha mãe me deixou em um hospital de louco para que cuidassem de
mim até meus últimos dias de vida que de acordo com o medico já
estava próximo.
Amor e Rompimento
Bem antes de eu ter esta doença havia um jovem cujo nome era German
Ferrera havia me pedido em casamento, porém logo que surgiu a
doença, a família dele não aceitava o nosso namoro e muito menos um
casamento, mas ele não olhava para a minha aparência e sim para o
meu coração. Todos os dias, ele vinha me visitar no hospital ,coisa
que a minha mãe não fazia mais, até que me entregaram uma carta dela
dizendo que se mudará para Portugal. Naquele inverno de
1951,descobri que estava esperando um filho do German, porém não
tive tempo de contar a ele sobre a gravidez , pois ele teve que
servir as pressas o exército, e se mudou para as fronteiras do
Paraguai.Até que sua mãe foi me visitar para me dar a notícia que
seu filho havia sido morto em conflitos territoriais.Já não tinha
mais ânimo para viver pois a única coisa que me mantinha viva era o
fruto do nosso amor.
Circo dos Horrores
Até que de madrugada ,um grande incêndio, tomou conta do hospital
matando 38 enfermos , eu consegui pular em um rio que passava logo
abaixo de minha janela, e quando eu acordei eu estava sobre a margem
do rio, sentindo muito frio e fome.Consegui subir em um enorme
barranco e avistei um circo, que se chamava “Circo dos Horrores”.
Havia uma capa de chuva no varal e acabei colocando ela para não se
assustarem comigo, e fui pedir ajuda, até que o dono do circo um
velho muito nojento e bizarro me ofereceu emprego e moradia, para
isso eu deveria trabalhar para ele.Acabei aceitando pois para onde
eu iria, e em que me daria emprego naquela situação.
Naquele circo havia muitas pessoas com vários tipos de deficiências
e mutações, o mais incrível é que tinham um grande público que se
sentiam atraídas para ver tamanha abominações , riam muito, jogavam
barro ...sem menos perceber que eram pessoas normais, porém,
especiais que estavam sendo escravizadas e rejeitadas pela
humanidade....Meses foram se passando,sentia muitas dores na costa ,
por causa da gravidez , porém minha cabeça não doía mais.Eu dormia
perto dos animais em um amontoado de capim ali era a minha cama,
onde eu descansava depois de um dia cheio de tarefas e
apresentações.
Durante a viagem para a cidade de Bariloche , comecei a entrar em
trabalho de parto, logo o dono do circo apareceu com um casal de
portugueses que se passaram por médicos ...foi quando nasceu a minha
pequena e linda filha que além de chorar sorriu para mim...levaram
ela para dar banho e não voltaram mais...
Eu fiquei louca, tiraram ela de mim, queria matá-lo .Ele me falou
que vendeu ela para o casal porque precisa de dinheiro, e eu não
teria condições de cuidar dela.Acabei apanhando muito e fui trancada
em uma jaula, pois ele disse que ali era o meu lugar.Dias se
passaram, tive que fingir que havia me conformado, para que ele me
soltasse da jaula...
Um anjo me levando aos anjos...
Precisa respirar ar puro, peguei a capa e fui caminhar ao redor do
circo, estava nevando, e o olhei para o céu acinzentado como a minha
vida ...Sentei em um banco, e fiquei conversando com Deus e olhando
paras as belas paisagens daquele lugar, e fiquei pensando em minha
filha, e na boa vida que eu tinha antes, mesa farta e cama
macia....Então algo estranho aconteceu, um cachorro com uma coleira
azul, cuja raça lembra nome de santo, surgiu em minha frente e ficou
paralisado olhando diretamente nos meus olhos , sentia que ele
queria me dizer alguma coisa , sei lá até me mostrar ....esta é a
sensação que ele me passou ...Aí o dono do circo me chamou para
entrar que logo começaria o “Show “, e quando voltei a olhar onde
estava o cachorro ele havia sumido.
Naquele mesmo dia, ao cair da noite, eu estava deitada e escuto algo
estranho fora do circo e fui até lá fora para ver o que era, e me
deparo com o cachorro me olhando do mesmo jeito e senti aquela
sensação de novo, que ele queria que eu o seguisse. Acabei o
seguindo, e fui parar em uma fazenda, e acabei dormindo em um
celeiro. Fui acordada pelo dono da fazenda , um homem muito educado
, seu nome era Pablo , que logo chamou sua esposa Carlita e me
levaram para sua casa, me deram banho, comida, e um quarto bem
quentinho.Depois me perguntaram como eu havia chegado ali naquela
fazenda, e eu disse que eu segui um cachorro, e me disseram que não
tinham mais cachorro , pois o dele tinha falecido meses atrás.
Dias foram se passando e me sentia bem melhor, me tratavam como se
eu fosse da família, eu ajudava eles na fazenda, mas nada de esforço
físico, tudo bem leve. Pablo recebeu uma carta de sua mãe que morava
no Brasil, que seu pai ficara doente e não tinha como administrar a
fazenda de plantio de cana de açúcar , então decidiram se mudar para
o Brasil , e me convidaram para ir junto.Enquanto embalávamos alguns
objetos, para não quebrar na viagem, acabei vendo um álbum de
família, e junto eles estava um cachorro São Bernardo , com a mesma
coleira azul em seu pescoço, aí perguntei para Carlita de quem era o
cachorro , e , ela me respondeu que era dela , e que ele morreu de
uma doença desconhecida que foi inchando sua barriga, e que fez de
tudo para poder ajudá-lo a sobreviver .Até hoje não sei o
significado disso tudo, se era um anjo ou algo parecido, mas sei de
uma coisa que ele sabia da família maravilhosa e acolhedora que ele
tinha...talvez Deus tenha o enviado para me levar até eles.
A surpresa
Na estação do trem, tive uma surpresa ao ver os pais do German,
fiquei vendo eles de longe até que vejo o German descendo do trem
com uma mulher, meu corpo congelou, meu coração partiu em pedaços,
minha boca ficou seca, não imaginava que a mãe dele poderia ir tão
longe assim.Se não fosse o egoísmo dela, minha filha estaria comigo
até hoje.Aí a Carlita me chamou para entrar no trem e resolvi deixar
do jeito que estava , e não ir até eles e tirar alguma satisfação ou
algo parecido , até porque não traria minha filha de volta, e o
German já estava casado.
Coisas boas e coisas ruim aconteceram comigo na Argentina, pedaços
de mim ainda ficarão sempre marcados nesta terra.
O que tem que ser, será...
Hoje vivo em uma casa de idosos, porque decidi não voltar para a
Argentina com o Pablo e a Carlita na época em que eles venderam a
fazenda aqui em Piracicaba.Há 17 anos atrás eles faleceram em um
acidente de carro.
Passei por sete operações na cabeça e três nas costas, que melhorou
muito minha aparência, pelo menos abandonei a capa de chuva que eu
sempre usava para me esconder.
Em julho do ano passado fui convidada pelos dois filhos adotivos de
Pablo e Carlita para visitá-los na Argentina, e acabei indo.Fiquei
muito emocionada ao pisar naquela terra.Me levaram para passear, me
diverti muito, acabei indo visitar a cidade onde eu nasci, passei
pela rua onde eu morava, e conversando com algumas pessoas que
moravam naquela rua, perguntei se conheciam algum senhor que se
chamava German Ferrera, daí uma senhora disse que ele morava logo
ali perto da onde estávamos.Perguntei com quem ele morava; e ela me
disse que sozinho porque sua mulher havia largado dele por ele beber
demais, e que nunca tivera um filho, e que todos os dias ele ia ao
túmulo de uma moça que havia morrido em um incêndio anos atrás.Foi
então, que decidi ir até a casa dele fazer uma visita, mas ele não
estava, então fui ao cemitério e o vi chorando em cima do túmulo.Aí
eu olhei para o túmulo e tinha a minha foto e meu nome.É
impressionante como durante esta minha jornada todos se foram menos
eu, exatamente aquela garota que tinha apenas três meses de vida
passou até por séculos.Coloquei minhas mãos em seu ombro e falei
estou aqui, pensei que ele fosse morrer ali mesmo, ele ficou branco,
então Juanes (filho do Pablo e Carlita) me ajudou a contar a
história e o mal entendido, contei o quanto sofri também com a sua
morte, e também quando eu o vi na estação muito mais vivo do que eu,
e falei sobre a nossa filha que foi arrancada de meus braços, e ele,
só chorava não conseguia dizer mais nada.
Minha viagem a Argentina só pode ter sido coisa de Deus, pois
reconciliamos uma aliança interrompida por um pesadelo que passou
por nós dois. Agora estou de volta ao Brasil, em Piracicaba uma
cidade que me acolheu com muito amor, e voltei a ter dignidade.
German me liga todos os dias da Argentina me pedindo em casamento, e
falou que quer morar aqui na minha cidade. Talvez eu diga sim,
depois eu conto para vocês.
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