Do Sonho às Recordações
Hoje, apesar de não sentir vontade de chorar, sinto-me triste! Logo
agora que tinha resolvido abandonar a tristeza.
Quando acordei, pensei em ti; aliás, penso todos os dias. Porém, há
pensamentos mais profundos do que outros, com uma saudade mais
intensa. Sim, foi isso mesmo que senti, uma grande saudade.
Sonhei contigo! No sonho, estávamos numa casa antiga, que era nossa,
e eu procurava roupa para nós dois vestirmos. Íamos à casa funerária
dizer adeus, pela última vez, a alguém amigo meu. Tu não o
conhecias, foste apenas fazer-me companhia e eu adorei o teu gesto:
isto talvez por nunca ter tido um companheiro de verdade.
Quando lá chegamos o morto já não estava, e as poucas pessoas que vi
não as conheciam.
Todavia, mesmo estando triste por tratar-se de alguém amigo que
partia desta para outra, sentia-me bem ao teu lado. Sentia que,
finalmente, havia encontrado o que sempre procurei: alguém, alguém
que se sentisse orgulhoso em me proteger. Nós, algumas das mulheres,
mesmo não sendo necessário gostamos de nos sentir preservadas,
protegidas. Julgo ser algo que nasce conosco, uma espécie de
alimento para a alma. Tal como o pão, a carne, alimentam o corpo, o
afeto, o carinho, alimentam o espírito.
Voltando à tristeza e ao sonho, mais triste fiquei ao despertar e
deparar com a realidade; toda a proteção que sentira não passara de
mais um dos meus sonhos apenas sonhado. Por algum tempo fiquei
pensando no sabor desse sonho gostoso, de como foi bom sentir-me
protegida por ti e, para que não o esquecesse, gravei-o na minha
memória tal como fiz com a tua mensagem deixada no telefone.
Levantei-me e preparei-me para sair. Quando me vestia veio-me há
idéia a blusa bege sem mangas, aquela que um dia viste por debaixo
da soera que vestia e me disseste: - “essa blusa ficava-te bem com
umas calças de ganga”.
Fui a gaveta da cômoda, procurei-a entre as outras e vesti-a. Na
verdade tinhas razão; fica-me mesmo bem com estas calças. Contudo,
continuo triste; pois não estás aqui para me veres com ela vestida.
Agora ando sempre com blusas sem mangas, tenho várias próprias para
usar com calças em cores diferentes; branca, vermelha com riscas
brancas, azul-marinho, lilás, enfim... presentemente é a bege a
minha preferida mas, em breve, o Inverno chega e volto a vestir as
soeras em cima delas.
Na tua carta dizes que me vês por estas lindas paisagens da Ilha; na
verdade são lindas, mas antes eram muito mais, vejo-as como se
fossem um quebra-cabeças onde falta uma peça para completar essa
beleza.
Também dizes que aí está frio e neve; pois é, já chegamos ao
Inverno, aqui o tempo também não está bom; temos vento, frio e
chuva. O tempo está cinzento, mas eu vejo-o ainda mais escuro; falta
a luz dos teus olhos para o clarear. O quarto onde durmo é
abrigadinho, tenho várias cobertas na cama mas, mesmo assim, sinto
frio: falta-me o calor do teu corpo encostado ao meu. Nada, mas
mesmo nada, aquece como o calor do corpo humano; julgo que também o
sabes.
Nada ficou esquecido. Relembro tudo: o passeio ao Centro de la
Nature de Laval, a Village des Arts, onde tudo era feito em
miniaturas, ainda me dá vontade de rir ao ver a tua foto em frente à
igreja; eras da altura dela. Já ao lado das estátuas de um homem e
uma mulher nus, feitas de bronze, foi ao contrário; elas eram mais
altas do que tu, como vez eu recordo tudo, mesmo sabendo que só me
faz mal recordá-las e não as poder ter de novo. Quem sabe se um dia
as terei?
E no dia que fomos a Quebec, a cidade antiga, a Rue Petit-Champlain,
onde tudo era tão diferente do Ontário que conhecia; ali sentia-me
como se estivesse viajando pela Europa.
Após esta agradável tarde passada nas ruas de Quebec voltamos ao
quarto do segundo andar do prédio, tiramos a roupa, nos enfiamos
debaixo dos lençóis azuis e, assim, permanecemos até não agüentarmos
mais. O cansaço não era pouco, mas a vontade de nos amarmos era
muito maior. Foi belo sentir nossos corpos suados e entrelaçados um
no do outro, nossas bocas ofegantes unidas num beijo longo e
gostoso, acabando por adormecermos abraçados, enfim... apenas
recordações e sonhos.
(Candeias Leal)
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